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Publicidade mostra-se agora, “tolerante” ao homessexual. Mas se formos apenas consumidores, que restará de nosso desejo divergente? E que ocorre quando não atendemos os padrões ditados pelo mercado? |
Como tem acontecido em anos
mais recentes, no mês de junho, quando ocorre o dia mundial do orgulho gay e no
Brasil se comemora o dia dos namorados, surgem peças publicitárias, propagandas
em televisão e nas redes sociais, nas quais apareceram entre os casais
heteronormativos, também casais gays e de lésbicas. Em torno dessas propagandas
se verificam sempre duas reações excludentes, e, por conseguinte binárias: de
um lado, o ataque por parte dos intolerantes; por outro, a defesa e
“comemoração” por parte da comunidade formada pelos de orientação sexualmente
divergente.
Porém, do lado de cá, o nosso
lado, o lado de todos aqueles e aquelas que divergem, fazendo dos seus corpos e
desejos uma ousada insubmissão ao império da heteronormatividade, há de se
pensar que nestes casos, o da visibilidade pelo consumo, nem tudo é ganho, nem
tudo é avanço, nem tudo é motivo de comemoração. Há de se pensar, e isto não
tem ocorrido com frequência, sobre os riscos de termos nossas visibilidades e
nossos desejos – que constituem nossa imagem e identidades – umbilicalmente
atrelados ao consumo e seus meios. Com efeito, deveríamos, ao menos de início,
suspeitar, se não haveria nenhum risco neste tipo de visibilidade, uma vez que
o consumo não é o elemento que constitui nossas diferenças em relação à
sexualidade padrão.
Não se trata de negar o avanço,
o passo, pode-se dizer civilizatório, na oportunidade de que os divergentes
possam estar na mesma oportunidade ao lado dos heterossexuais. Afinal, o
dinheiro e os produtos que se compram com ele não possuem identidade de gênero,
ou orientação sexual. Contudo, quando a imagem dos divergentes, ao estar
associada diretamente ao consumo — pois são peças publicitárias cuja destinação
final não é a tolerância, mas a venda de produtos — a tolerância torna-se
oportunidade de lucro. Nos dão visibilidade, mas lucram com nossos desejos de
reconhecimento e igualdade.
Não é por bondade pura do
mercado que os divergentes devem aparecer, mas pelo reconhecimento perverso de
que eles são também consumidores, e como tais devem ser tratados. Se compram, e
se parte do público alvo aparece, isto é, os heteronormativos, porque não os
gays, lésbicas e transgêneros? Um pensamento que aparentemente traz consigo o
selo da igualdade. Mas se poderia indagar: ora, teríamos aí, de fato, uma
igualdade, o reconhecimento de que não importa com quem você vai para cama?
Talvez sim, porém a questão é como se estabelece esse reconhecimento e suposto
tratamento igualitário. Ele ocorre sobre o liame de algo que é estranho e
alheio ao nosso desejo divergente. Ou seja, trata-se de um reconhecimento que
não considera nossa diferença por ela mesma, mas por estar vinculada ao
consumo. Não se trata de tolerar por quem somos, mas por sermos consumidores.
Uma tendência ao apagamento da diferença, de modo que ao fim prepondere a
figura do consumidor. Mais se não atendermos mais aos padrões de consumo
estabelecido pelo mercado, continuaremos a ser tolerados? Penso que não, pois
somos tolerados enquanto fonte de lucro, quando não puderem mais lucrar com
nossos desejos seremos descartados, ou simplesmente subsumidos no modelo
padrão: isto é, a heteronormatividade.
É um simples cálculo
estratégico para ampliação de nicho de mercado. Com efeito, já há até um dito
mercado gay, um setor de mercado dirigido a atender o consumo do público gay.
Neste, pelo que se vê, rentável setor, uma das mercadorias-serviço de ponta
parece ser o turismo gay. Neste tipo de nicho de mercado, prevalece a imagem
estereotipada do gay como sujeito de classe média, boa vida e de corpo
atlético: os conhecidos barbie de the week. É justamente a imagem de um gay com
estas características que em geral aparece nas propagandas: o homossexual que
segue o padrão de beleza heteronormativo. Dessa maneira, permite-se a
apresentação da diferença, mas desde que ela seja expropriada para ser
apresentada, e ganhe espaço de visibilidade seguindo aquilo que já está
estabelecido.
Para os divergentes de baixa
renda, aqueles que estão na periferia, de seu grupo e das cidades: nenhuma
propaganda, nenhum reconhecimento, afinal de contas não podem ter o padrão de
consumo desejável, e se não consomem, não merecem reconhecimento, nem
visibilidade. Tratam-se daqueles, que muitas vezes são caracterizados de forma
segregacionista como os pão-com-ovo, as póc. Ora, o tratamento pão-com-ovo nada
mais é que uma distinção segregacionista com base no consumo. O que mostra o
quanto este tipo de reconhecimento pelo consumo perverso está se estabilizando,
tornando-se, pois, um tipo de baliza que mede os que merecem reconhecimento e
espaço de visibilidade e os que não merecem.
Porém, mesmo para aqueles que
atendem aos padrões de consumo exigidos pelo mercado, fica a pergunta: estes
também são, de fato, tolerados? Parece que não. Nas peças publicitárias e nas
propagandas, o divergente nunca é só sua imagem; mas a sua, e a de consumidor.
E como a tolerância não é o reconhecimento daquilo que o constitui como
diferente, da sua diferença mais diversa, mas a igualdade do mercado, isto é, o
consumir, ocorre um reconhecimento dissimulado, que tende a apagar a diferença,
ou seja, não tolerar. Veja-se, por exemplo, que ao lado do aumento das peças
publicitárias com casais gays e de lésbicas, continuam ocorrendo vários
episódios de gays e lésbicas que são expulsos, na maioria dos casos, de
restaurantes e barzinhos. O que significam estes dois fenômenos aparentemente
contraditórios? O recado é claro: ainda que consumas, e se iguale aos outros
neste aspecto, não deixas de ser divergente, e o que sustenta, de fato, o lucro
é o consumo da maioria, que é heteronormativa; por isso, escolhemos a hora que
lucramos contigo e a hora que é preciso reforça para a maioria que continuas a
ser quem és: o diferente, a minoria. Nos ocultam com a máscara do consumo, que
por ser máscara, é fingimento, mas nunca esquecem o que realmente somos. Assim,
trata-se de uma “falsa tolerância”, uma visibilidade que não é emancipatória.
Resta então perguntar: queremos esta tolerância falsa?
Fonte: Outras palavras / Debates
culturais