O
que é um programa de ensino? Um programa de ensino pode ser
comparado a um edital de concurso público: o candidato lê o edital,
sabe o que precisa estudar e sabe o que vai cair na prova. Esses
editais costumam ser tão bem-feitos que permitem que as pessoas
estudem sozinhas, façam um cursinho, produzam livros para os
candidatos estudarem, montem um cursinho para ensinar outros. E ainda
serve para contratar a instituição que vai elaborar as provas. Um
currículo escolar deve ter tudo isso e servir a essas mesmas
funções.
Por
que um programa de ensino é necessário? Um programa de ensino
orienta a secretaria sobre o que os professores precisam saber, o que
as escolas precisam ensinar e o que será avaliado. O programa
orienta as escolas nas suas decisões sobre materiais de ensino e
estratégias pedagógicas. E informa os pais sobre o que os seus
filhos devem aprender em cada série escolar.
Como
deve ser elaborado? Um currículo é algo complexo, requer
conhecimentos especializados sobre as disciplinas, sobre o que
crianças de diferentes idades são capazes de aprender e dá opções
sobre o que é mais ou menos relevante. Requer tempero – o quanto
disso e o quanto daquilo em cada série. Um currículo deve
estabelecer aquilo que é básico, o mínimo necessário e suficiente
para a criança evoluir. Por isso precisa ser elaborado por pessoas
altamente competentes, com conhecimento de suas disciplinas e do
ensino da mesma – o que lhes permite dosar a carga e o nível do
que seja adequado. Mas não basta contratar especialistas, é preciso
seguir os protocolos. Existem três critérios técnicos para avaliar
a qualidade de currículos: foco, rigor e consistência.
Também
é necessário prestar atenção diferente aos diferentes níveis de
ensino. A elaboração do currículo da educação infantil requer
elaboradores que tenham um conhecimento profundo do desenvolvimento
humano, especialmente do desenvolvimento infantil. Para o ensino
fundamental a elaboração do currículo requer pessoas competentes
nas diferentes disciplinas e deve levar em conta parâmetros externos
– como os currículos de ensino médio, a Prova Brasil e o Pisa –,
que são indicadores daquilo que os concluintes do ensino fundamental
precisam saber. Em todos os casos é essencial levar em conta o
estado da arte, ou seja, o que é feito em outros países onde a
educação é mais avançada do que a nossa.
Currículo,
portanto, não é algo que possa ou deva ser feito por equipes
internas de secretarias de educação, pois elas não possuem pessoal
qualificado para esse fim. O mesmo acontece com as universidades,
pois, no caso brasileiro, essas, em sua grande maioria, não têm se
mostrado efetivamente engajadas com a melhoria do ensino, desconhecem
o que ocorre nas escolas e encontram-se presas a discussões de
caráter ideológico. Prova disso é que o Brasil não possui um
currículo – estamos presos a discussões estéreis. Mas é
possível encontrar profissionais competentes para esse trabalho,
inclusive professores que lecionam em universidades públicas e
privadas.
Currículo
também não é feito para ensinar o que existe no local: o
mandacaru, a bombacha, o bumba-meu-boi, os animais da caatinga de
minha microrregião, as aves típicas da região. Tudo isso a criança
já conhece ou pode conhecer sem frequentar a escola. A função da
escola é respeitar e valorizar o local, e usar esse conhecimento
para promover o diálogo do aluno entre o local e o universal – os
conhecimentos que são compartilhados pela humanidade.
Finalmente,
currículo nada tem a ver com proposta pedagógica ou método de
ensino. Isso vem depois, é uma questão a ser resolvida nas escolas
– se os professores estiverem qualificados para isso – ou pela
secretaria – até que ela consiga qualificar os professores para
tomarem decisões desta natureza.
Existem
alguns aspectos políticos em qualquer decisão curricular – e isso
vale tanto para decidir quais ou quantas matérias e conteúdos
incluir. Profundidade e extensão devem ser balanceados, e essas
decisões não são totalmente técnicas.
Dois
temas específicos merecem atenção especial no desenvolvimento de
currículos. Um deles é a educação física. Está comprovado que a
atividade física regular é essencial para promover o bom
desenvolvimento do cérebro e assegurar condições de aprendizagem.
Isso vale desde os primeiros anos da infância. Isso não significa
necessariamente incluir uma hora de educação física por dia – o
que seria desejável. Mas certamente implica incluir atividades
físicas entre as aulas, durante as aulas (quando os alunos estiverem
cansados) e em momentos específicos, seja na forma de educação
física seja na prática esportiva. Currículos devem estar atentos a
isso.
Outro
tema é o das habilidades não cognitivas. Já existem conhecimentos
suficientes para demonstrar a importância de desenvolver essas
habilidades – que têm a ver com o autocontrole e bons hábitos de
relacionamento. Mas isso se faz na forma de implementar o currículo
e no dia a dia das relações das pessoas na escola, e não como
currículos específicos ou disciplinas adicionais.
Em
todos os lugares do mundo onde a educação é bem organizada existe
um programa nacional (nos países unitários) ou regional de ensino
(nos países federativos). O Brasil não tem isso e distrai-se em
inventar neologismos (parâmetros curriculares, direitos de
aprendizagem etc.) para não enfrentar o tema. Dada a omissão do
governo federal, resta aos municípios, como entes federados, tomar a
iniciativa e estabelecer os seus programas de ensino. Sem isso a
educação não avança.
João
Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa Beto
(VEJA)