quarta-feira, 21 de maio de 2014

CURRÍCULO: SEM ELE, A EDUCAÇÃO NÃO AVANÇA

O que é um programa de ensino? Um programa de ensino pode ser comparado a um edital de concurso público: o candidato lê o edital, sabe o que precisa estudar e sabe o que vai cair na prova. Esses editais costumam ser tão bem-feitos que permitem que as pessoas estudem sozinhas, façam um cursinho, produzam livros para os candidatos estudarem, montem um cursinho para ensinar outros. E ainda serve para contratar a instituição que vai elaborar as provas. Um currículo escolar deve ter tudo isso e servir a essas mesmas funções.

Por que um programa de ensino é necessário? Um programa de ensino orienta a secretaria sobre o que os professores precisam saber, o que as escolas precisam ensinar e o que será avaliado. O programa orienta as escolas nas suas decisões sobre materiais de ensino e estratégias pedagógicas. E informa os pais sobre o que os seus filhos devem aprender em cada série escolar.

Como deve ser elaborado? Um currículo é algo complexo, requer conhecimentos especializados sobre as disciplinas, sobre o que crianças de diferentes idades são capazes de aprender e dá opções sobre o que é mais ou menos relevante. Requer tempero – o quanto disso e o quanto daquilo em cada série. Um currículo deve estabelecer aquilo que é básico, o mínimo necessário e suficiente para a criança evoluir. Por isso precisa ser elaborado por pessoas altamente competentes, com conhecimento de suas disciplinas e do ensino da mesma – o que lhes permite dosar a carga e o nível do que seja adequado. Mas não basta contratar especialistas, é preciso seguir os protocolos. Existem três critérios técnicos para avaliar a qualidade de currículos: foco, rigor e consistência.

Também é necessário prestar atenção diferente aos diferentes níveis de ensino. A elaboração do currículo da educação infantil requer elaboradores que tenham um conhecimento profundo do desenvolvimento humano, especialmente do desenvolvimento infantil. Para o ensino fundamental a elaboração do currículo requer pessoas competentes nas diferentes disciplinas e deve levar em conta parâmetros externos – como os currículos de ensino médio, a Prova Brasil e o Pisa –, que são indicadores daquilo que os concluintes do ensino fundamental precisam saber. Em todos os casos é essencial levar em conta o estado da arte, ou seja, o que é feito em outros países onde a educação é mais avançada do que a nossa.

Currículo, portanto, não é algo que possa ou deva ser feito por equipes internas de secretarias de educação, pois elas não possuem pessoal qualificado para esse fim. O mesmo acontece com as universidades, pois, no caso brasileiro, essas, em sua grande maioria, não têm se mostrado efetivamente engajadas com a melhoria do ensino, desconhecem o que ocorre nas escolas e encontram-se presas a discussões de caráter ideológico. Prova disso é que o Brasil não possui um currículo – estamos presos a discussões estéreis. Mas é possível encontrar profissionais competentes para esse trabalho, inclusive professores que lecionam em universidades públicas e privadas.

Currículo também não é feito para ensinar o que existe no local: o mandacaru, a bombacha, o bumba-meu-boi, os animais da caatinga de minha microrregião, as aves típicas da região. Tudo isso a criança já conhece ou pode conhecer sem frequentar a escola. A função da escola é respeitar e valorizar o local, e usar esse conhecimento para promover o diálogo do aluno entre o local e o universal – os conhecimentos que são compartilhados pela humanidade.

Finalmente, currículo nada tem a ver com proposta pedagógica ou método de ensino. Isso vem depois, é uma questão a ser resolvida nas escolas – se os professores estiverem qualificados para isso – ou pela secretaria – até que ela consiga qualificar os professores para tomarem decisões desta natureza.

Existem alguns aspectos políticos em qualquer decisão curricular – e isso vale tanto para decidir quais ou quantas matérias e conteúdos incluir. Profundidade e extensão devem ser balanceados, e essas decisões não são totalmente técnicas.

Dois temas específicos merecem atenção especial no desenvolvimento de currículos. Um deles é a educação física. Está comprovado que a atividade física regular é essencial para promover o bom desenvolvimento do cérebro e assegurar condições de aprendizagem. Isso vale desde os primeiros anos da infância. Isso não significa necessariamente incluir uma hora de educação física por dia – o que seria desejável. Mas certamente implica incluir atividades físicas entre as aulas, durante as aulas (quando os alunos estiverem cansados) e em momentos específicos, seja na forma de educação física seja na prática esportiva. Currículos devem estar atentos a isso.

Outro tema é o das habilidades não cognitivas. Já existem conhecimentos suficientes para demonstrar a importância de desenvolver essas habilidades – que têm a ver com o autocontrole e bons hábitos de relacionamento. Mas isso se faz na forma de implementar o currículo e no dia a dia das relações das pessoas na escola, e não como currículos específicos ou disciplinas adicionais.

Em todos os lugares do mundo onde a educação é bem organizada existe um programa nacional (nos países unitários) ou regional de ensino (nos países federativos). O Brasil não tem isso e distrai-se em inventar neologismos (parâmetros curriculares, direitos de aprendizagem etc.) para não enfrentar o tema. Dada a omissão do governo federal, resta aos municípios, como entes federados, tomar a iniciativa e estabelecer os seus programas de ensino. Sem isso a educação não avança.

João Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa Beto
(VEJA)



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seus comentários poderão passar por moderações para depois ficar visivel ao público, por isso utilize este espaço de forma consciente.
Obrigado.