“É
impressionante como esse aluno parece não ter vergonha na
cara! Já
recebeu todo tipo de advertência e continua com o mesmo comportamento,
atrapalhando e fazendo graça na sala!”. Qualquer
semelhança com
situações que vivenciamos em nossas escolas não é mera
coincidência. Casos que parecem sem solução merecem atenção
redobrada porque podemos estar falando de sujeitos que tiveram uma ruptura na
sua construção moral.
Neste post recente, refletimos sobre os tipos de
sanções e suas implicações no processo de desenvolvimento dos alunos e
apresentamos as possibilidades mais adequadas para uma Educação voltada para a
autonomia moral. Entre elas estava a censura,
que pode despertar no aluno o senso de comunidade e de compromisso com o grupo.
Em
ambientes pautados pelo exercício do respeito mútuo, além do afeto, há sempre o temor de decair aos olhos do outro.
Mas é preciso tomar cuidado porque o receio de decepcionar não pode estar
associado a nenhuma prática de humilhação. Por essa razão, achei oportuno
aprofundarmos nossas reflexões acerca do uso das censuras como sanção por
reciprocidade, destacando aspectos que precisam ser considerados.
O
especialista em psicologia moral Yves de La Taille divulgou, em 2002, os
resultados de um estudo que desenvolveu para investigar em qual período do
desenvolvimento a censurapassa
a ser mais penosa do que as sanções expiatórias, que são os castigos que não se
relacionam com o ato a ser reparado. O achado da pesquisa, de extrema
relevância para o trabalho nas escolas, é que para as crianças pequenas o juízo
moral alheio ainda não é fonte de intensa dor psíquica. Isso significa que as
censuras não são tão dolorosas quanto os castigos que as privam de algum
prazer. Já nas maiores, a dor vem de uma expressão de crítica moral promovida
pelo adulto perante os pares, ou seja, a vergonha da exposição. E isso supera
as privações materiais mais fortemente sentidas pelos pequenos.
No
entanto, o que frequentemente observamos nas escolas, e também nas famílias, é
que muitos educadores ainda utilizam, equivocadamente, o constrangimento como método educativo. Mas é preciso
saber que expor constantemente as crianças e os
adolescentes e, assim, provocar o sentimento de humilhação e rebaixamento, pode
levar o sujeito à perda de um importante regulador moral: a vergonha. Dessa maneira, ele
passa a ser um “desavergonhado ou sem vergonha”, o que o leva a promover ainda
mais delitos e episódios indesejáveis, dentro e fora da sala de aula. Ao ser inferiorizada e rebaixada, a
pessoa, mesmo que não tenha uma imagem negativa de si própria, pode vir a
assumi-la.
É
importante ficar atento porque algumas formas de humilhação são sutis e podem
vir disfarçadas de críticas que tentam parecer “objetivas” e bem-intencionadas.
Além disso, alguns educadores parecem acreditar que, ao humilhar ou fazer o
aluno “passar vergonha”, ele “entrará na linha”. Mas na prática, o pensamento é
outro: “Se já me enxergam desse jeito, vou fazer o que eu quero”. Ou seja, ele
entende que não tem muito mais o que perder.
Para
evitar que isso aconteça, é preciso agir exatamente de maneira contrária à
humilhação, auxiliando o estudante a fortalecer o sentimento de dignidade, como um ser moral.
Afinal, a moralidade é uma dimensão específica do ser humano e o que, de fato,
o diferencia dos outros animais reconhecidos como inteligentes. Ninguém é
desprovido de algo positivo que possa ser foco de reconhecimento. No entanto, é
importantíssimo levar em consideração que a essência dos elogios ou das
críticas recai sobre a adesão e o fortalecimento, ou não,dos valores morais. Se os
comentários positivos ou negativos são direcionados a característicasestranhas à
moral, como a beleza, a inteligência, a esperteza etc., os valores éticosdesejados,
provavelmente, permanecerão ausentes ou periféricos
(enfraquecidos) na
personalidade da pessoa que estamos ajudando a formar (leia aqui sobre como
fazer elogios produtivos). Da mesma maneira, se apesar de morais,as críticas forem frequentes e humilhantes,
o resultado será semelhante. Isso porque cada um de nós, na busca natural de
uma autoimagem
positiva, procura o que acredita ser sua competência e o que seráreconhecido
como valor pelo
olhar do outro para se fortalecer. Por isso, definitivamente, aqualidade da
abordagem do adulto fará
a diferença entre a aproximação ou o distanciamento dos valores morais
necessários para a convivência social.
Já
pensou sobre essas questões? Deixe sua valiosa contribuição para novas
reflexões!
Fonte: Revista gestão escolar - Imagem: shutterstock_259696079