Refletir sobre a prática,
planejar as aulas e estudar para ensinar melhor são tarefas tão importantes
quanto lecionar, certo? Todos os que lutam por uma Educação de qualidade
concordam que a capacitação profissional é fundamental - mas não é isso que se vê
no Brasil desde que a lei 11.738/2008 foi sancionada. Mais conhecida como Lei
do Piso, ela instituiu um valor mínimo nacional para os salários dos
profissionais do Magistério público da Educação Básica e definiu um limite
máximo (dois terços da carga horária) para as atividades de sala de aula. Ou
seja, o outro terço do tempo deve ser pago pelas redes municipais, estaduais e
federais para que todo educador aperfeiçoe sua formação.
Ocorre que os governos do
Ceará, de Mato Grosso do Sul, do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do
Sul entraram, no início do ano, com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF)
alegando que a lei é inconstitucional. Felizmente, o STF determinou que ela é
válida, sim (mas, por uma dessas filigranas jurídicas, chamada efeito
vinculante, a decisão só tem efeito nos cinco estados. Se outro resolver
questionar o assunto novamente, a mais alta corte do país terá de voltar a
deliberar).
A ação judicial foi o ápice de
uma série de discussões que tem por objetivo pontuar os "problemas"
que a lei acarreta. Estados e municípios alegam não estar preparados para
investir na prática docente. Só isso... A julgar pelas reportagens que pipocam
semanalmente em jornais, sites e emissoras de rádio e televisão, nossos
governantes parecem estar mais preocupados em manter intocáveis os orçamentos e
organogramas das Secretarias e das escolas, em vez de traçar planos objetivos e
eficientes para reorganizar as contas e o uso do tempo, de forma a fazer valer
o horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), a hora-atividade, a reunião
pedagógica, a atividade extraclasse (ou qualquer que seja o nome dado ao tempo
dedicado à formação profissional).
Por todos os lados que se
analise a questão, é fácil perceber que as reclamações não têm razão de ser. Do
ponto de vista financeiro, a situação pode ser resolvida com um pouco de
dedicação das Secretarias. Mal começou a chiadeira, o Ministério da Educação
(MEC) publicou em março uma portaria definindo critérios para que estados e
municípios solicitem recursos adicionais para cumprir a Lei do Piso. A rede vai
precisar contratar educadores para atuar em sala de aula enquanto os colegas
estão no HTPC e isso impacta a folha de pagamento? Basta comprovar, entre
outras coisas, que 25% das receitas são aplicadas na manutenção e no
desenvolvimento do ensino, que a rede tem um plano de carreira para o
Magistério com legislação específica e cumpre o regime de gestão plena dos
recursos vinculados para manutenção e desenvolvimento do ensino. Fazendo isso,
o MEC autoriza o uso de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para
efetivar as novas contratações. (A assessoria do MEC, aliás, informa que, até o
fechamento desta edição, nenhum município ou estado comprovou a necessidade de
complementação de recursos para esse fim.)
No âmbito pedagógico, o que a
lei determina deveria ser enxergado como uma conquista para o Magistério e para
um país que sonha se destacar no cenário internacional - uma conquista tão
grande quanto o desafio que está nas entrelinhas (e este, sim, deveria ser o
centro dos debates): o que fazer durante esse tempo e como garantir que ele
seja bem aproveitado pelos professores e por toda a equipe escolar em benefício
da aprendizagem dos alunos.
O HTPC deve ser realizado
dentro do ambiente escolar, levando em conta as necessidades de cada
comunidade. No dia a dia, seu papel é permitir o desenvolvimento de atividades
como formação continuada, correção de provas, reflexão coletiva sobre o
trabalho docente, reuniões com pais e planejamento de aulas. Para que esse
tempo de formação em serviço seja útil, é fundamental planejá-lo corretamente
para que cada uma das tarefas ocupe um espaço adequado na rotina dos
educadores. As questões administrativas e referentes à gestão, por exemplo, têm
de ficar num papel secundário. Para os professores, o que realmente importa é
poder se dedicar ao aperfeiçoamento da prática, um trabalho que exige a
participação permanente (e estratégica) dos coordenadores pedagógicos. É deles
a responsabilidade de organizar os momentos de formação, assim como acompanhar
de perto o que é realizado individualmente e orientar o diálogo sobre a prática
docente, promovendo a troca de experiências dentro da escola.
A princípio, pode parecer muita
coisa a fazer - e, é preciso reconhecer, fácil de se perder em meio a papos de
corredor e reuniões dominadas por mensagens motivacionais e apresentações de
computador cheias de imagens fofinhas. É exatamente por isso que não podemos
mais fugir do foco principal, que é seguir a lei e o espírito da lei: criar um
tempo para melhorar a qualidade do trabalho docente. Toda e qualquer ação em
outro sentido deve ser encarada com uma afirmação clara de que a Educação no
Brasil continua em segundo plano.
Fonte: Revista Nova
Escola/Gestão Escolar