domingo, 14 de agosto de 2016

COMO USAR BEM O HORÁRIO DE TRABALHO COLETIVO PEDAGÓGICO (HTPC)



Refletir sobre a prática, planejar as aulas e estudar para ensinar melhor são tarefas tão importantes quanto lecionar, certo? Todos os que lutam por uma Educação de qualidade concordam que a capacitação profissional é fundamental - mas não é isso que se vê no Brasil desde que a lei 11.738/2008 foi sancionada. Mais conhecida como Lei do Piso, ela instituiu um valor mínimo nacional para os salários dos profissionais do Magistério público da Educação Básica e definiu um limite máximo (dois terços da carga horária) para as atividades de sala de aula. Ou seja, o outro terço do tempo deve ser pago pelas redes municipais, estaduais e federais para que todo educador aperfeiçoe sua formação.

Ocorre que os governos do Ceará, de Mato Grosso do Sul, do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul entraram, no início do ano, com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) alegando que a lei é inconstitucional. Felizmente, o STF determinou que ela é válida, sim (mas, por uma dessas filigranas jurídicas, chamada efeito vinculante, a decisão só tem efeito nos cinco estados. Se outro resolver questionar o assunto novamente, a mais alta corte do país terá de voltar a deliberar).

A ação judicial foi o ápice de uma série de discussões que tem por objetivo pontuar os "problemas" que a lei acarreta. Estados e municípios alegam não estar preparados para investir na prática docente. Só isso... A julgar pelas reportagens que pipocam semanalmente em jornais, sites e emissoras de rádio e televisão, nossos governantes parecem estar mais preocupados em manter intocáveis os orçamentos e organogramas das Secretarias e das escolas, em vez de traçar planos objetivos e eficientes para reorganizar as contas e o uso do tempo, de forma a fazer valer o horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), a hora-atividade, a reunião pedagógica, a atividade extraclasse (ou qualquer que seja o nome dado ao tempo dedicado à formação profissional).

Por todos os lados que se analise a questão, é fácil perceber que as reclamações não têm razão de ser. Do ponto de vista financeiro, a situação pode ser resolvida com um pouco de dedicação das Secretarias. Mal começou a chiadeira, o Ministério da Educação (MEC) publicou em março uma portaria definindo critérios para que estados e municípios solicitem recursos adicionais para cumprir a Lei do Piso. A rede vai precisar contratar educadores para atuar em sala de aula enquanto os colegas estão no HTPC e isso impacta a folha de pagamento? Basta comprovar, entre outras coisas, que 25% das receitas são aplicadas na manutenção e no desenvolvimento do ensino, que a rede tem um plano de carreira para o Magistério com legislação específica e cumpre o regime de gestão plena dos recursos vinculados para manutenção e desenvolvimento do ensino. Fazendo isso, o MEC autoriza o uso de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para efetivar as novas contratações. (A assessoria do MEC, aliás, informa que, até o fechamento desta edição, nenhum município ou estado comprovou a necessidade de complementação de recursos para esse fim.)

No âmbito pedagógico, o que a lei determina deveria ser enxergado como uma conquista para o Magistério e para um país que sonha se destacar no cenário internacional - uma conquista tão grande quanto o desafio que está nas entrelinhas (e este, sim, deveria ser o centro dos debates): o que fazer durante esse tempo e como garantir que ele seja bem aproveitado pelos professores e por toda a equipe escolar em benefício da aprendizagem dos alunos.

O HTPC deve ser realizado dentro do ambiente escolar, levando em conta as necessidades de cada comunidade. No dia a dia, seu papel é permitir o desenvolvimento de atividades como formação continuada, correção de provas, reflexão coletiva sobre o trabalho docente, reuniões com pais e planejamento de aulas. Para que esse tempo de formação em serviço seja útil, é fundamental planejá-lo corretamente para que cada uma das tarefas ocupe um espaço adequado na rotina dos educadores. As questões administrativas e referentes à gestão, por exemplo, têm de ficar num papel secundário. Para os professores, o que realmente importa é poder se dedicar ao aperfeiçoamento da prática, um trabalho que exige a participação permanente (e estratégica) dos coordenadores pedagógicos. É deles a responsabilidade de organizar os momentos de formação, assim como acompanhar de perto o que é realizado individualmente e orientar o diálogo sobre a prática docente, promovendo a troca de experiências dentro da escola.

A princípio, pode parecer muita coisa a fazer - e, é preciso reconhecer, fácil de se perder em meio a papos de corredor e reuniões dominadas por mensagens motivacionais e apresentações de computador cheias de imagens fofinhas. É exatamente por isso que não podemos mais fugir do foco principal, que é seguir a lei e o espírito da lei: criar um tempo para melhorar a qualidade do trabalho docente. Toda e qualquer ação em outro sentido deve ser encarada com uma afirmação clara de que a Educação no Brasil continua em segundo plano.

Fonte: Revista Nova Escola/Gestão Escolar

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