Foto: Jeff Cadge/Gettyimages
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Correndo até a sala do diretor,
a coordenadora pedagógica traz a má notícia. Mais uma vez, sem avisar, dois
professores faltaram. Mais de 60 alunos estão largados nas salas de aula. O
problema, que deveria ser uma exceção, faz parte da rotina das escolas brasileiras
e é um dos desafios que o gestor tem de enfrentar para evitar atrasos na
aprendizagem. Mas como impedir que o absenteísmo comprometa o projeto
pedagógico e atrapalhe os alunos? Nesta reportagem, você vai descobrir que a
resposta está em dois pontos cruciais para uma boa administração escolar: no
planejamento e em uma eficiente gestão de pessoas - que inclui muita conversa
com os faltosos para reduzir as ausências (veja no quadro abaixo sete dicas
práticas para conduzir a conversa com os docentes que mais faltam).
Na rede estadual de São Paulo,
a maior do país, com 5.463 escolas, todo dia 12 mil professores faltam, em
média (a rede possui 189 mil docentes). Na tentativa de mensurar o impacto
desse problema, Priscilla Tavares, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), de São Paulo, elaborou o estudo A Falta Faz Falta?, no qual avaliou os
prejuízos causados pelo absenteísmo no desempenho em Matemática de alunos da 4ª
série da rede paulista. "A situação é preocupante porque, a cada duas ausências
de um titular, os alunos perdem 0,14 ponto na prova do Sistema de Avaliação de
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, o Saresp", afirma a
pesquisadora.
Os altos índices de absenteísmo
não são exclusivos da rede paulista. A rede estadual fluminense concedeu, em
agosto de 2009, 6 mil licenças, e a do Distrito Federal contabilizou mais de
340 mil faltas no primeiro semestre de 2009. No Rio Grande do Sul, onde são
permitidas até dez faltas sem justificativa, mais de 46 mil licenças foram
tiradas entre janeiro e outubro de 2009 (para o total de 79 mil professores).
Em Alagoas, uma das soluções encontradas foi a contratação de 6 mil monitores
universitários para substituir os professores de carreira que não aparecem.
Refém de legislações - que em
diversos estados e municípios oficializam as faltas - e de uma realidade
educacional na qual é regra a carga horária inchada para compensar os baixos
salários dos docentes, o diretor precisa enfrentar esse problema. O primeiro
passo é conversar com o professor para saber o motivo de tantas faltas. A
justificativa número um é a saúde. Diversas pesquisas comprovam a
vulnerabilidade dos docentes a moléstias relacionadas ao uso da voz e ao
estresse mental e físico, manifestado em dores musculares e de cabeça e na
chamada síndrome de burnout (esgotamento físico e mental ligado à vida
profissional). Estudo realizado pelo Ibope e pela Fundação Victor Civita em
2007 com 500 professores da rede pública de capitais mostrou que 40% deles
afirmam sofrer com doenças. Nesses casos, o diretor deve avaliar os atestados
médicos antes de abonar as faltas e, quando possível, negociar para que as
consultas não prejudiquem o andamento das aulas.
Diversas outras razões
pessoais, como questões familiares, falta de tempo para resolver problemas
cotidianos e o desencantamento com a profissão, são usadas como justificativa.
Nesses casos, o gestor deve mostrar os prejuízos causados pelas faltas e buscar
soluções em conjunto com cada docente. Essa é uma etapa importante, na qual é
fundamental equilibrar a compreensão dos problemas dos professores - sem se
tornar cúmplice - e a firmeza para estabelecer rotinas que reduzam as
ausências.
Use a criatividade para driblar
as faltas, mas não dispense o aluno
Algumas faltas, porém, sempre
existirão. E os estudantes não podem ser prejudicados. Aí entra o planejamento.
Quando há tempo, a primeira opção é convocar um professor substituto. Mas, se
esse profissional não está disponível, o mais comum é distribuir os alunos em
outras turmas, deixar um docente responsável por mais de um grupo, delegar a
responsabilidade para funcionários de apoio ou criar atividades na sala de
leitura, informática ou na quadra de esportes. "A pior opção é dispensar
os alunos ou adotar a aula vaga, quando os estudantes ficam esperando o próximo
professor", diz Silmar dos Santos, mestre em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora da pesquisa As Faltas de
Professores e a Organização de Escolas na Rede Municipal de São Paulo.
Certamente algumas dessas
medidas emergenciais ajudam a reduzir o prejuízo para a aprendizagem. Porém a
perda é inevitável. Mesmo que o diretor consiga fazer a substituição do
docente, sempre haverá certo impacto no desempenho, já que esse profissional
eventual tem menos tempo para planejar a aula e, em geral, desconhece as
necessidades de aprendizagem de cada estudante.
Melhor do que resolver a falta
na última hora é trabalhar para reduzir as ausências. E algumas estratégias
podem ajudar. Uma bastante comum em várias escolas é o agendamento de faltas.
Consiste em combinar com os professores para que avisem com o máximo de
antecedência quando precisam faltar. Silvana Marques, diretora da EMEF
Professor Fernando de Azevedo, em São Paulo, adota essa estratégia (leia o
depoimento acima). Outra maneira é negociar reposições. É o que faz a diretora
Márcia Masiel na EEEM Itália, em Porto Alegre. Lá, quem falta tem de repor a
aula no contraturno ou nos fins de semana (leia o depoimento abaixo).
Em casos mais graves, quando as
faltas são constantes e sem justificativa, o gestor pode recorrer a
instrumentos legais. Além de advertências e penalidades como suspensões, que
são permitidas por algumas legislações locais, é possível entrar com um
processo administrativo na Secretaria de Educação. Para isso, o diretor precisa
recolher todos os registros que comprovem as faltas excessivas. Em última
instância, um profissional pode ser exonerado. "Raramente isso acontece.
Há carência de professores e dificilmente o diretor vai aplicar uma punição que
aumentará esse déficit", acredita Silmar dos Santos.
Como se vê, o absenteísmo é
complexo e envolve questões legais e administrativas também. No campo das
políticas públicas, a criação de uma estrutura de prevenção em saúde, alterações
na legislação e uma atuação fiscalizadora e de apoio das supervisões de ensino
são medidas mais do que necessárias. Algumas redes já investiram em mudanças. A
de São Paulo, por exemplo, adotou o estágio probatório de três anos, período em
que o professor cumpre requisitos - entre eles a assiduidade - para conseguir a
estabilidade. O bônus por desempenho dos alunos leva em conta também a
frequência. "Para desenhar políticas consistentes contra o absenteísmo no
Brasil, é preciso criar um banco de dados consolidado. Talvez o problema seja
ainda maior do que se pensa", alerta a pesquisadora Priscilla Tavares.
Fonte: Revista Nova
Escola/Gestão Escolar