Em clima de
manifestações pelo Brasil, eis artigo da jornalista Regina Ribeiro,
com o título “A revolta de junho e a nossa Bastilha”, publicado
no O POVO desta sexta-feira. É a crise da democracia que inventa
realidades, que se esconde atrás de um escudo tecnoburocrata”.
Confira:
“Em tempos de
revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos”. A
frase é do historiador Eric Hobsbawn (1917-2012). Não se pode falar
em revolução no Brasil, no conceito puro da palavra, mas vou chamar
de “revolta” o que estamos vivendo. E nessa revolta de junho, que
desnorteia verticalmente uma sociedade inteira, é possível observar
desde agora quais os símbolos que estão vindo abaixo. Para mim, o
principal deles é esta nossa democracia autoritária e burocrática
que o movimento das ruas atingiu em cheio.
Basta reparar
direitinho no discurso dos governantes. Na última quarta-feira,
quando o governador Alckmin (PSDB) e o prefeito Haddad (PT) se uniram
para anunciar a queda no preço das tarifas do transporte público em
São Paulo e amarraram o cavalo num discurso empolado que incluía
alterações no orçamento etc e tal, ficou claro que eles não
entenderam, ainda, o que os cartazes estão dizendo. Quando leio que
o governador Cid Gomes (PSB) afirmou que a ação da Polícia Militar
anteontem é de responsabilidade do Governo Federal, ficou me
perguntando, sinceramente, quem esse rapaz acha que está enganando.
A queda desse tipo de
democracia que inventa realidades, que se esconde atrás de um escudo
“tecnoburocrata” e que vive de privilégios, expandidos aos que
rodeiam o poder, será positiva para o País. O tamanho do Estado
brasileiro também está em xeque, uma vez que não dá conta das
expectativas dos seus cidadãos. Não acredito que este seja o tempo
para temores exagerados do tipo, a considerar que as manifestações
no Brasil possam abrir possibilidades para uma onda direitista ou
retrógrada.
A crise nesta
democracia que opera em favor dos interesses econômicos, que está
fincada tradicionalmente na representação de partidos que se
esfacelam do ponto de vista moral e que já não conseguem se
comunicar com a sociedade, só alcançou o ponto crítico. Agora,
parece que todos veem o abismo que se criou em torno dela. Isso
talvez prove que estávamos mesmo caminhando para esta revolta que,
embora não se explique imediatamente, a História se impõe como
dona do próprio nariz.
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Regina Ribeiro
reginah_ribeiro@yahoo.com.br
Jornalista
e editora das Edições Demócrito Rocha