Porque já as eleições dos “nossos” representantes são realizadas de
modo a institucionalizar o crime, pois os grupos econômicos, ao patrocinarem a
eleição de Presidente, Governadores, Prefeitos etc., assim o fazem, como é
natural, sob a condição de obterem financiamentos graciosos, participarem de
licitações premiadas, privatizarem o espaço público, multiplicando lucros;
Porque num tal contexto, a política passa a constituir extraordinário
atrativo para criminosos profissionais, em geral burocratas medíocres,
desqualificados moral e tecnicamente, sem perspectiva fora da política;
Porque certos partidos políticos passam a funcionar, assim, como
autênticas quadrilhas, cujos membros seguem a lógica do quem dá mais, por isso
que trocam de legenda constantemente, impunemente;
Porque o sistema representativo é um engodo que conta com a
participação do próprio eleitor, que não raro exige, em troca do voto, algum
proveito, de modo que o voto constitui, por isso, apenas um expediente para
legitimar e perpetuar o crime, afinal os eleitos não representam o eleitorado,
mas os seus próprios interesses e os interesses dos grupos econômicos que os
patrocinam;
Porque, apesar das fraudes, insistimos em perpetuar determinados
criminosos no poder, e a tudo assistimos passivamente;
Porque a Polícia, que deveria, junto ao Ministério Público, formar
instituição única, está subordinada ao Poder Executivo, de sorte que são
prováveis investigados (Governadores, Prefeitos etc.) que em última análise
comandam as investigações;
Porque criminosos políticos estão protegidos por um sem número de
privilégios (foro privilegiado, imunidades parlamentares etc.) que os tornam
grandemente imunes às investigações;
Porque a corrupção política traduz a nossa própria hipocrisia, a nossa
indiferença, a nossa tendência ao jeitinho; afinal, corrupção é de algum modo
interação/acordo entre corruptor e corrompido, entre eleitor e eleito;
Porque somos obrigados a votar, quando votar é um direito e não um
dever, pois o eleitor tem, há de ter, a liberdade de votar em quem quiser,
quando e se quiser, consciente e livremente;
Porque a democracia, essa desgastada metáfora, é uma palavra que
remete a múltiplas relações de poder que nada têm de democráticas, relações
frequentemente de violência e tirania e permanentemente em mutação (Michel
Foucault);
Porque punir criminosos, embora necessário, não é o mais importante; o
mais importante consiste em identificar as estruturas de poder que possibilitam
o crime e mudá-las radicalmente, pois problemas estruturais demandam
intervenções também estruturais e não apenas intervenções sobre indivíduos;
Porque insistimos em preservar instituições absolutamente
desnecessárias: Senado Federal, Câmara Distrital etc;
Porque, em vez de enfrentar os problemas em suas causas, em suas
raízes, tentamos combatê-las em suas consequências, tardia, burocrática e simbolicamente;
e isso equivale a não combatê-las;
Porque temos um Estado excessivamente burocrático, que tudo pretende
resolver por meio de leis, demagogicamente;
Porque multiplicar leis não significa evitar novos crimes, mas
multiplicar novas violações à lei (Beccaria); e as leis desnecessárias
enfraquecem as leis necessárias (Montesquieu);
Porque mais leis, mais juizes/tribunais, mais conselhos, mais prisões
etc, pode significar mais presos, mas não necessariamente menos delitos
(Jeffery);
Porque o povo brasileiro acredita ser livre, mas está enganado: é livre apenas durante as eleições dos membros do Executivo e do Parlamento, pois, eleitos os seus membros, ele volta à escravidão, é um nada (Rousseau); é que a participação popular se limita ao sufrágio a cada quatro anos; mas eleitos “seus” representantes, não se tem qualquer controle sobre seus atos, e o cidadão, convertido em objeto e não sujeito da política, só poderá expressar sua indignação nas eleições seguintes;
O Brasil é e continuará sendo um país corrupto simplesmente porque
está estruturado para sê-lo!
Paulo Queiroz é Professor Universitário (UniCEUB) e Procurador
Regional da República em Brasília