A volta às aulas continua uma
incógnita em todo o país. Enquanto os governantes não entram em comum acordo
sobre quando as escolas serão reabertas, pais e responsáveis se perguntam como
será quando os filhos tiverem que retornar às aulas presenciais. Haverá
distanciamento de fato? Quais protocolos as escolas vão seguir? Haverá a
possibilidade de manter os estudos online para os que não quiserem as crianças
em salas de aula, enquanto durar a Pandemia?
As dúvidas são muitas. Se de um
lado, o retorno às salas de aula é necessário para que os pais possam
trabalhar, há uma parcela que prefere que os filhos percam o ano escolar a
correrem o risco de contágio. Em um post sobre o assunto no Instagram da
coluna, o @Aventuras Maternas foram mais de 250 comentários de responsáveis
temerosos por este retorno.
Para conseguir respostas, 15
escolas foram consultadas, com diferentes classes sociais e perfis, sejam
focadas apenas no Ensino Infantil, sejam especializadas na Educação a partir do
Fundamental I. Apenas quatro responderam. A maioria ainda está em fase de
estudo, aguardando protocolos municipais ou recebendo especialistas para ter um
posicionamento científico e oferecer aos pais respostas sobre como farão para
evitar aglomerações e manter medidas de segurança para alunos e funcionários.
O escritor, pesquisador e
consultor em Gestão da Educação Renato Casagrande, do Instituto Casagrande,
acredita que, caso aconteça o retorno das escolas, o cenário será bastante
complexo.
“Primeiro porque nem todos os
alunos voltarão, já que muitos pais vão se recusar a mandar os filhos para a
escola por uma questão de precaução ou pelo fato das crianças conviverem com
pessoas que pertencem ao grupo de risco. Ou seja, teremos uma escola
incompleta. O segundo ponto é que as escolas precisarão estar muito equipadas
com EPI’s e também com um protocolo de higiene e saúde, o que vai exigir
investimento e muita cautela no recebimento e na acolhida desses alunos. Serão
necessárias mais pias sanitárias, mais lavatórios espalhados pelo ambiente
escolar, assim como álcool em gel e máscaras disponíveis para os alunos,
professores e demais funcionários, além de cuidados com a troca de calçados,
higienização dos mesmos, garantia do distanciamento entre um aluno e o outro
etc. As salas de aula também terão que ser reestruturadas, os espaços físicos
deverão passar por mudanças para o atendimento seguro de todos. Há ainda um
terceiro fator que são professores do grupo de risco, que não voltarão às
aulas. Portanto, além dessa infinidade de adequações, nem todos os professores
e funcionários da escola poderão estar presentes. E mais um ponto, mas não
menos importante: as escolas geralmente têm poucos inspetores. Então, a
contenção dos alunos no espaço geral, principalmente nos intervalos, precisará
de muito cuidado, já que os estudantes, principalmente quando não estão em sala
de aula, querem conversar, brincar e interagir”, esclarece.
E não são apenas os pais que
estão com dúvidas sobre o futuro. As escolas, assim como precisaram se
reinventar com o anúncio da pandemia, também vão passar por mudanças para
continuar/terminar o ano letivo. O Mopi, por exemplo, está construindo uma
estrutura para que os alunos continuem estudando de casa, se os pais
preferirem, mesmo depois do retorno das aulas presenciais. “A escola virou a
chave para transformar a experiência do aluno de presencial para digital desde
16 de março. Dois dias depois do decreto da pandemia, a estrutura estava toda
pronta. E como a escola respondeu muito bem à virada para o online, o impacto
no planejamento foi muito pequeno. Muitos alunos estão se adaptando bem e
elogiando. Mas o futuro vai depender dos números da Covid-19 e dos poderes
governamentais”, explica Vinicius Canedo, diretor executivo do Mopi. “Mas é bom
deixar claro que, como alguns pais estão literalmente com medo dos filhos
voltarem para a escola e vão ficar mais confortáveis se eles ficarem só no
modelo on-line, vamos manter o braço não presencial”, complementa.
Outra escola que está alinhando
mudanças é a Maple Bear – a escola fez uma pesquisa com os pais e 67% gostaria
de, mesmo após o retorno às aulas presenciais, ter a opção das aulas online até
se sentirem mais seguros. “Temos crianças que, inclusive, fazem parte do grupo
de risco por questões de saúde. Acredito que entender a necessidade dos pais e
construir juntos esse momento de retomada é a melhor solução. Estamos nos
preparando para oferecer as aulas remotas mesmo após a reabertura da escola. O
retorno deve ser gradual e com um ensino presencial e remoto”, comenta Ariadne
Tabosa, professora e administradora da unidade Freguesia da instituição.
Já na Espaço Kids Creche Escola,
em Jacarepaguá, a diretora Priscila Aguiar conta que um informativo será
enviado para os pais a fim de que orientem as crianças sobre como serão as
aulas presenciais. Entre as estratégias a serem implementadas, está a de manter
carteiras afastadas e fazer marcações no chão com fita crepe para que os alunos
sentem sempre afastados. Quanto às trocas de carinhos, será na conversa, de
forma lúdica, mas com muita fiscalização. Mas faz um adendo: como na educação
infantil não há reprovação e nem controle de faltas, os pais que preferirem
manter seus filhos em casa terão a opção de voltar quando acharem mais
adequado. “Daremos a eles o suporte em vídeo e estaremos abertos para
recebê-los quando quiserem, dentro das normas de segurança do Conselho Regional
de Educação”, esclarece.
Também sem a proposta de aulas
virtuais na retomada, Renata Reis Transcoveski, diretora do Colégio Ludolf
Reis, em São João de Meriti, explica que o fato de já trabalharem com poucas
crianças em sala será um grande facilitador. “Nossas professoras da Educação
Infantil e Fundamental já estão trabalhando, através das aulas on-line, a
conscientização por meio de histórias e “Rodinhas de conversa”, onde explicam
que por enquanto os abraços e o tocar vão ter que esperar um pouquinho”.
Outra preocupação de pais e
educadores é sobre como as escolas vão lidar com as crianças menores nesse
retorno. “A volta às aulas com os pequenos é um grande desafio, até porque
menores de 2 anos não devem usar máscaras. Eu diria que todo professor passará
a ser uma agente de saúde na escola, com um protocolo muito rígido em relação à
higiene. Além disso, as crianças encontrarão um espaço diferente na escola em
que não poderão ter o contato físico. Imagine uma criança chorando porque caiu
e o professor receoso de pegar essa criança no colo? Por esses e outros fatores
será muito complexa a volta dos pequenos. Embora seja preciso, sabemos que será
um desafio muito grande esse retorno”, lembra Renato Casagrande. E ele vai
além: “Ainda sobre essa questão do contato físico, acredito que antes das
crianças pequenas voltarem à escola, precisa ser feito um trabalho muito forte
com os pais, a fim de orientar os filhos sobre a nova realidade da escola. Cabe
às famílias explicar que eles não podem chegar na escola e abraçar os colegas.
Os pais não podem esperar que o professor oriente isso, porque a criança
pequena não entenderá. Simplesmente porque, hoje, dentro de casa, ela está
tendo contato físico com os irmãos, com o abraços dos pais, e na escola, que é
o segundo espaço de convivência mais importante para ela, não manterá esse
contato. É muito importante que as escolas já orientem as famílias para
conscientizarem essas crianças para que elas não sejam tão surpreendidas com um
espaço escolar muito longe daquilo que elas viram quando se afastaram da
escola”.
O que muda, na prática, no dia a
dia dentro da escola
Alguns pais têm se perguntado
sobre quais os cuidados que as escolas passarão a ter com o retorno às aulas,
caso não possam manter os filhos em casa. Na Maple Bear, os protocolos de
segurança a serem adotados serão divididos em três grupos: visitantes estranhos
à rotina da escola e fornecedores, visitantes pertencentes à rotina (pais e
responsáveis) e colaboradores, e alunos. “Dentro desses protocolos existem
subdivisões, para garantir que estamos olhando com toda a atenção possível a
cada situação que poderemos viver. Uma das decisões foi suspender as visitas
presenciais para conhecer a escola. Para esses pais e responsáveis, será
ofertada uma visita virtual, evitando ao máximo a entrada de pessoas que não
necessitem estar no interior da escola. Os fornecedores também não poderão mais
entrar. Receberemos as encomendas na porta, com o pessoal de apoio cumprindo
todas as normas sanitárias, e só depois esse material será disponibilizado para
uso. Dentro do protocolo de colaboradores, daremos atenção especial para
aqueles que se locomovem de transporte público. O protocolo de higienização e
segurança será bastante rigoroso para o acesso ao interior da edificação.
Limpeza de calçados, guarda de bolsas em local separado, higienização de mãos e
de roupas com álcool 70 spray. Todos precisarão medir a temperatura antes de
ingressar na escola, sem exceção. Aqueles que acusarem febre serão orientados a
retornar para casa e entrar em contato com o seu médico ou atender as
orientações dos médicos dos hospitais públicos, UPAs e postos de saúde. Os
alunos deverão estar o tempo inteiro de máscaras e serão orientados quanto a
higienização e distanciamento social”, pontua. Há também uma preocupação com o
entendimento dos alunos sobre o que será realizado – uma criança de 4 anos, por
exemplo, não vai conseguir se comportar e manter o mesmo comportamento que uma
de 10 anos. Para isso, a escola vai aumentar o número de funcionários em sala
de aula para atender os menores e garantir espaçamento adequado entre as mesas
dos mais velhos (além das demais recomendações indicadas pelas autoridades de
saúde e sanitárias). O acesso à biblioteca será limitado, e os alunos não vão
mais se servir em fila durante o almoço. Para evitar aglomeração no refeitório,
os pratos serão entregues montados. As mesas também comportarão menos
estudantes e terão divisórias. Será implantado, ainda, horário de rodízio para
almoço e recreio. “Outra preocupação que estamos muito atentos é em relação à
entrada e saída. Pais que venham a pé ou de bicicleta terão espaços marcados
enquanto aguardam os filhos, mantendo, assim, o isolamento entre eles”,
completa Ariadne.
No Mopi, a decisão sobre os
protocolos a serem seguidos com a volta das aulas presenciais vai passar por
uma avaliação técnica e pela contratação de uma consultoria. “Algumas das
medidas a serem adotadas serão o distanciamento de alunos entre 1m e 2m, a
restrição de pessoas que não façam parte do processo educacional somente à
recepção, o controle de fornecedores que terão horários marcados para visitas e
entregas, além de um novo funcionamento da secretaria, que será 100% online, e
da diluição dos horários de entrada e saída”, informa Vinicius.
O futuro
Sobre as mudanças que vão
acontecer devido ao calendário e final do ano letivo, a maioria das escolas é
reticente sobre uma data específica. Porém, é preciso deixar claro que não são
apenas crianças brasileiras ou de uma determinada faixa etária que estão
passando por essa onda de incertezas e tiveram perdas sociais, emocionais e
pedagógicas. “Crianças do mundo inteiro estão sofrendo algum tipo de impacto e
não há como evitar isso. Entender e olhar o que pode ser feito ainda este ano é
o melhor caminho. Aprendemos muita coisa com essa pandemia. Mas a educação não
será mais a mesma. No próximo ano, nós, profissionais do ensino, teremos que
fazer um trabalho muito diferente e enxergar além das séries e seus conteúdos.
Passaremos a olhar para o desenvolvimento da criança de forma individual,
linear e contínua, mapeando suas habilidades individuais”, conclui Ariadne.
*Priscila Correia /Clubinho de ofertas