Michael Horn explica como foi a construção do conceito e diz por que
considera o blended learning a solução para grandes redes / divulgação.
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Na primeira vez que falamos de ensino híbrido, lá pelos idos
de 2012, não sabíamos nem como chamar essa tendência. Foi no site de uma
organização chamada Innosight Institute que as coisas ficaram mais claras. O
tal blended learning,
que estava pipocando aqui e ali, se referia à mescla do ensino presencial com o
virtual, dentro e fora da escola. Com essa integração de oportunidades de
aprendizagem que a tecnologia proporcionou, os alunos passariam a ver mais
sentido no conteúdo que lhes era apresentado, teriam acesso a um aprendizado
mais personalizado às suas necessidades, seriam estimulados a pensar
criticamente, a trabalhar em grupo. Um mundo de oportunidades se abria.
Dois
anos depois, o ensino híbrido já se consolidou como uma das tendências mais
importantes para a educação do século 21. Um dos especialistas internacionais
que tem ajudado na disseminação dessas práticas e na análise de como o fenômeno
tem se manifestado em diferentes redes de ensino é Michael Horn, que em 2008
escreveu com seu professor em Harvard, o renomado Clayton Christensen, o livro Disrupting
Class: How Disruptive Innovation Will Change the Way the World Learns
(Classe disruptiva: como a inovação disruptiva vai mudar a forma como o mundo
aprende, em livre tradução), no qual abordava o nascimento de uma nova forma de
fazer educação. Horn tornou-se cofundador do Innosight Institute, que em 2013
passou a se chamar Clayton
Christensen Institute.
Em
entrevista ao Porvir,
o norte-americano, que tinha experiência na área pública e na de negócios antes
de enveredar pela educação, diz considerar que o ensino híbrido é a única forma
de se promover a transformação em redes de ensino. Dissse ainda que essa
abordagem é capaz de oferecer ao aluno tanto o conhecimento quanto a
oportunidade de desenvolver as habilidades de que vai precisar para ser bem
sucedido na vida. “O ensino híbrido abre espaço para trabalhos em equipe,
pensamento crítico como nunca antes”, afirmou. Para Horn, que será um dos
palestrantes do Transformar 2014, o ensino híbrido tem também trazido à tona
discussões sobre avaliação e organização dos alunos por idade e série.
Leia
mais:
Confira,
a seguir, os principais trechos da entrevista.
O
que você chama de inovação disruptiva em educação?
A
palavra “disruptivo” tem sido tão usada que seu significado real tem se
perdido. A disrupção é algo muito específico. Significa que uma inovação
transformou algo que era caro, complicado, centralizado e inacessível, que só
servia a um número limitado de pessoas, em algo com um preço muito mais
acessível, conveniente e simples, que pode servir a muito mais gente. As
inovações disruptivas em educação são sempre muito primitivas em seu início. Elas
não começam como rupturas muito fortes. Elas vão melhorando e se aprofundando
com o passar dos anos.
Existem
muitas diferenças entre o que se chamava de disruptivo em 2007, no início do
Innosight Institute, e agora?
Não.
A disrupção sempre terá a ver com o ensino híbrido. Na educação básica, pelo
menos. Na superior é diferente. No livro Disrupting
Class ainda não usávamos o termo ensino híbrido, mas três ou quatro
outros nomes. Agora o vocabulário amadureceu e é mais fácil falar de ensino
híbrido.
Por
que você acredita tanto em blended leaning?
Nosso
sistema educacional, não apenas nos EUA, não foi construído para otimizar o
aprendizado para cada aluno. Foi construído como uma indústria para atender a
um grande número de alunos. Funcionou bem numa economia industrial, mas [não]
na economia do conhecimento, quando se questiona por que o modelo não serve a
muitos alunos. O sistema [educacional] está fazendo exatamente o que ele foi
programado para fazer. O que temos visto consistentemente é que a inovação disruptiva
é o único jeito confiável de se transformar o sistema. A coisa mais legal do
ensino híbrido é que você pode personalizar o ensino para diferentes
necessidades dos alunos.
Que
bons exemplos práticos você já tem visto acontecer, especialmente em grandes
redes?
Temos
visto distritos do país inteiro se engajarem mais profundamente com o ensino
híbrido. A cidade de Nova York, Houston, Miami Dade… São grandes distritos que
estão fazendo dessa metodologia o centro de sua estratégia de transformação. Em
uma escala menor, temos outros, como o Quakertown
Public Schools in Pennsylvania. Temos também a Florida Virtual
School, que é um distrito de escolas públicas que está servindo centenas de
milhares de estudantes não só na Flórida, mas no mundo. Existem alguns sinais
de esperança.
Já
dá para ver como o ensino híbrido tem mudado a vida das pessoas
individualmente?
Conheci
algumas boas histórias. Estava em uma escola de ensino médio que adota o ensino
híbrido em Utah. Eles tinham lá uma jovem que era totalmente desestimulada. Ela
me disse: “Pela primeira vez, o professor está me ensinando individualmente,
não para a turma inteira. De repente, estou aprendendo o que eu preciso.
Percebi que sou alguém que importa e que pode ter sucesso”. E agora ela, que
não tinha muita esperança na vida, falava pela primeira vez em ir para a
universidade. Outro grupo muito beneficiado com o ensino híbrido é o de alunos
com necessidades especiais. Cada aluno tem um plano individual de aprendizagem,
então eles não se sentem diferentes, eles se sentem mais pertencentes ao grupo.
"[Disrupção é] uma inovação transformou algo que
era caro, complicado, centralizado e inacessível, que só servia a um número
limitado de pessoas, em algo com um preço muito mais acessível, conveniente e
simples, que pode servir a muito mais gente"
É uma
questão de aumentar a autoestima e a noção de identidade, certo?
Identidade é
grande parte disso. Faz diferença dizer a todos que eles importam, que vamos
buscá-los onde estiverem e que vamos ajudá-los a serem bem sucedidos. Tenho uma
história da Summit. A Diane
[Tavenner] fala sobre um aluno que tinham ido mal a toda a sua vida
acadêmica. No modelo que adotaram na escola, os alunos precisam dominar os conteúdos
para avançar [os alunos têm acesso primeiro ao conteúdo por um programa de
computador]. No primeiro dia de aula, esse aluno ficou apenas sentado, não fez
nada [no programa]. No segundo dia, nada. No terceiro, ele levantou a mão e
disse: “professora, acho que não estou evoluindo”. Ela perguntou por quê. “Na
escola anterior, eu ia para a aula e o professor falava as coisas. Eu não
entendia o que ele dizia, mas todo dia era uma coisa nova. Então eu evoluía.
Agora, nada está mudando e ainda estou parado no mesmo lugar”, ele disse. “É
porque agora você tem que fazer alguma coisa”, respondeu a professora. Esse
sentimento de que o aluno precisa dominar ser persistente, que ele é o dono
daquilo é o que acontece num ambiente de aprendizagem.
E isso tem a
ver com as competências para o século 21?
No século
21, você tem que ser capaz de aprender a vida inteira, de encontrar materiais
de diferentes fontes. Os empregos estão mudando tão rapidamente, é preciso
aprender a aprender. O ensino híbrido bem-feito – e não são todos os modelos
que fazem – diz: “você é o dono do seu próprio aprendizado”. O ensino híbrido
abre espaço para trabalhos em equipe de forma como nunca antes havia sido
possível, abre espaço para o pensamento crítico. As pessoas passam a dominar os
assuntos a partir de aulas virtuais e aprofundam esse conhecimento com seus
professores com perguntas importantes.
E o que
garante que o ensino híbrido seja bem-feito? Com o que devemos nos preocupar?
Precisamos
nos preocupar em dizer que o conhecimento ainda importa, mas só o conhecimento
não é suficiente. Devemos nos preocupar em analisar, avaliar, ter o domínio do
próprio aprendizado, trabalhar em equipe, conectar o conhecimento a problemas
da vida real para que o aluno entenda por que ele é relevante. Isso quebra o
argumento de que o conhecimento não importa e o que importa mesmo são as
habilidades. As pessoas que defendem o conhecimento diriam: “não é possível
desenvolver habilidade a menos que você tenha conhecimento”. A melhor coisa do
ensino híbrido é que podemos ter os dois.
E se formos
apontar questões de infraestrutura?
Você precisa
ter banda larga, uma boa conexão com internet. Nos EUA, estamos falando hoje em
100 megabits por segundo. Até 2020, será 1 gigabite por segundo. Mas o que
temos visto é que escolas inovadoras estão descobrindo como fazer o ensino
híbrido acontecer com muito menos. Em termos de número de equipamentos, existe
muita flexibilidade. Se você tem 30 crianças, você pode ter de 8 a 10
aparelhos. Você não precisa de um para cada. Isso é legal, mas não é
necessário. Cada vez mais, com esses equipamentos ficando mais baratos, mais
estudantes terão um eles mesmos. BYOD (sigla para Bring Your Own Device, ou
Traga o seu próprio aparelho) será parte disso.
Voltando ao
assunto das habilidades para o século 21, como promover uma educação baseada em
competências aliada ao ensino híbrido?
O ensino
híbrido é a ferramenta que personaliza a educação, tanto nas “competências
duras” [conhecimento] quanto nas transversais. Uma educação baseada em competência
trabalha com a noção de que os estudantes só podem avançar quando eles
realmente dominarem um conceito. Você não avança de acordo com a hora do dia,
mas de acordo com o que você sabe. É muito difícil ter uma educação baseada em
competências, a menos que você tenha ensino híbrido. Eles são primos, mas não
são a mesma coisa. Você pode ter um ensino híbrido ruim e nada de
desenvolvimento competências e você pode ter um ensino baseado em competências
sem o ensino híbrido, mas é muito difícil de fazer em escala.
Isso muda a
forma como os professores gerem sua sala de aula.
Sim, muito.
Antes, os professores davam uma aula para a turma inteira. Agora, eles podem
ter 30 alunos em 30 níveis diferentes. Sua tarefa é muito mais ser um designer
do aprendizado de cada aluno e avaliar para ver se estão dominando o assunto.
Eles são assessores do conhecimento, treinadores, designers do aprendizado.
Mas em algum
momento do ano eles terão de ser nivelados…
Esse é o
tipo de coisa que a educação baseada em competências começa a questionar.
Visitei uma turma de quinto ano em que os alunos estavam fazendo problemas de
trigonometria. O problema é que o atual sistema vai dizer que, no fim do ano,
eles serão avaliados em conteúdos de quinto ano. No ano seguinte, eles vão para
o sexto ano e pronto. Isso não faz sentido, estamos impedindo o desenvolvimento
deles. No entanto, se uma criança chega ao quinto ano sabendo matérias apenas
do segundo, ela pode conseguir dar um salto e chegar à quarta série. Esse
crescimento de dois anos é impressionante. O que queremos desse tipo de
educação é um ritmo mínimo, no qual nenhum aluno avança menos do que um ano em
um ano, mas não podemos restringir o lado oposto.
Isso também
implica numa mudança das provas oficiais do governo, certo? No Brasil, temos a
Prova Brasil, que acontece de dois em dois anos.
Esse é um
grande desafio, não apenas no Brasil, mas em países de todo o mundo. Podemos
criar exames e sistemas de prestação de contas que também são personalizados?
Enquanto eu completo o estudo de um assunto adequadamente, será que posso fazer
provas sob demanda para provar o que eu sei, um exame pequeno e pontual? Isso
criaria um sistema muito mais confiável porque hoje no Brasil você só consegue
me falar do desempenho das escolas do país com dados do ano anterior. Nesse
sistema, você saberia todos os dias onde estão os estudantes.
Foi inspirador?
(Porvir)