Menos aulas e mais estudo, este deve ser o caminho
Desde quando virei professor, uma coisa que me
chamou a atenção é o excesso de aulas nas universidades brasileiras. Por outro
lado, o estudo exigido fora de sala é baixíssimo.
O setor educacional de nível superior é
extremamente regulado pelo MEC. Essa regulação foi (e tem sido) essencial para
manter padrões mínimos de qualidade, como qualificação mínima de docentes,
laboratórios e bibliotecas. Mas em alguns casos acaba extrapolando a
possibilidade de inovações ao tentar impor um modelo único de gerenciamento.
Isso passa principalmente pela sala de aula.
Os cursos das IES são regidos por suas Diretrizes
Curriculares Nacionais de cada curso. Lá normalmente (nem todos os cursos são
assim) os eixos de formação (que acabam se desdobrando em disciplinas) com
conteúdos mínimos a serem abordados e tempo mínimo de integralização. Estes
conteúdos são avaliados no ENADE.
Como em muitos casos os conteúdos abordados seguem
uma lista extensa, é preciso uma enorme quantidade de sala de aula para cobrir
todo o conteúdo. Acontece que mais sala de aula não é sinônimo de mais
qualidade.
Vamos pegar o curso de Direito. No Brasil temos uma
carga horária mínima de 3.700 horas. Disso tudo, 20% pode ser oferecido em
atividades complementares e atividades extra-classe, como prática jurídica, TCC
e Estágio. Sobram 2960 horas de sala de aula a serem oferecidas em dez
semestres.
Ora, isso dá quase 300 horas por semestre. No caso
das Federais, que normalmente tem 15 semanas de aula (as particulares
normalmente tem 20 semanas), o horário semanal é completamente preenchido
apenas por sala de aula.
E podemos pensar que isto é algo positivo, mas não
é.
Peguemos o exemplo da Universidade de Harvard, cujo
aluno assiste a “apenas” 15 horas de aula por semana. O relato de um estudante
chega a impressionar. Tem 3 horas de aula por dia e 50 horas de estudos semanais,
entre atividades, estudos e práticas.
Como no Brasil a maioria dos estudantes deste curso
está no período noturno, pois muitos trabalham, fico me perguntando em que
horário é possível estudar.
Por aqui ainda há uma ideia equivocada de que a
sala de aula deve ser o momento do estudo, quando na verdade deveria ser o de
tirar dúvidas. Nós professores (eu incluído) nos acostumamos a “repassar” o que
poderia ser lido pelo aluno. Muito da culpa disso tudo nos cabe, já que pouco
inovamos (novamente me incluo) em criar aulas com simulações práticas e uso de
laboratório intensivo. Reclamamos da distração dos estudantes em sala, mas
basta enxergar aulas práticas em alguns cursos para percebermos que com
metodologias ativas a participação é maior.
E o pior….o aluno também é refratário a mudanças no
ambiente, principalmente de cursos na área de humanas, por acreditar que o
modelo é exatamente este que temos hoje.
Mas no caso de cursos como Direito e a área de
Negócios é extremamente difícil encontrar pontos de convergência com a prática
já que há um caminho traçado (por estudantes, professores e órgão regulador)
para apenas cumprir conteúdos e carga horária. A carga horária prática e o
estudo fora de sala acabam sendo menos prioritários, levando a uma inevitável diminuição
de exigência nos exames.
Daí percebe-se que quando chega ao final do curso,
o aluno não consegue escrever um texto para seu TCC ou mesmo pensar nada fora
da exigência mínima. Acredita-se que isso se aprende com regras da ABNT
repassadas em cursos de Metodologia, quando na verdade para se escrever é
preciso ler, e muito.
Um dos alentos para isso é a flexibilização para
que até 20% das aulas seja online. Com a melhoria da qualidade do que está
sendo produzido nestes últimos meses, rapidamente será a opção preferencial dos
alunos, que ainda preferem a aula presencial. Mas isto tende a mudar. (caso
queiram ver conteúdos gratuitos sendo oferecidos, visite a plataforma Coursera,
com cursos de grandes universidades americanas gratuitos).
Se não caminharmos para algo diferente daqui a
pouco ficará impossível dar uma hora de aula e alguém prestar atenção…imagine
3700 horas.
Fonte: Acerto de Contas