Sempre
ouvi dizer que nada é o que aparenta ser. De fato, com o passar do tempo fui
notando que isso se aplicava a quase tudo. Às vezes “não” queria dizer “sim” e
vice-versa. Mundinho complicado, esse. A vida social é permeada por interesses
ocultos com o rabo de fora. Desde pequenos, aprendemos que não devemos mentir.
A mentira é feia e o mentiroso precisa ser castigado. Deus não gosta de
mentiras e coisas assim.
No
entanto, muitas vezes as crianças são levadas ou obrigadas a mentir, senão
repreendidas por dizerem a verdade. Não se trata de algo pontual, que se refere
a algum tipo de família ou de classe social, absolutamente. É geral. Quanto
mais abrangente for o meio social, mais verdadeiro isso se torna. Quando no
governo, aí então…
Assim
sendo, parece que a mentira é uma necessidade absoluta. No meu ponto de vista,
creio que por trás de tudo existe algo que chamo de ideologia da crença ou a
crença na crença ou ainda o conjunto de idéias dogmáticas que se impuseram
historicamente por influência e necessidade da religião. Algo que defende a
tese de que o Homem precisa ser enganado para reagir positivamente, como se o
Homem devesse criado para ser feito de besta.
Será
que o Homem foi feito para ser enganado? Ah, embora eu desconheça estudos nesse
sentido, me parece que sim. Como é fácil se enganar a uma criança. Chega a ser
divertido. A brincadeira de esconder ovinhos de páscoa, por exemplo. Quando
alguém conta como conseguiu enganar a um terceiro, por um motivo qualquer,
estouram-se gargalhadas. Fazer os outros de bobo é uma brincadeirinha divertida
que pode tornar-se uma profissão bem remunerada. Nem precisamos de exemplos,
não é mesmo?
Desse
modo, a infantilização da Humanidade tem um proveito político e econômico
evidente. Todavia, há muito, chegou-se à conclusão de que o ser humano não foi
feito para mentir, como demonstra o polígrafo. O que será que significa isso?
Difícil responder. Porém, tanto “ética” como “moral” têm o mesmo significado –
“costume”; e a institucionalização do costume de enganar veio de cima. Lá,
permanece a defender suas idéias dogmáticas com o apoio dos inocentes. Não
importa qual a religião, é assim que essa ideologia funciona acima de todas as
crenças. Satisfação e bem-estar para uns poucos em detrimento da maioria. O
medo do castigo divino é o motor desse veículo de privilégios movido pelo
prazer, porque não há champanhe nem caviar para todos.
Também
sempre ouvi dizer, que isso é assim desde que o mundo é mundo. No entanto, a
nossa cultura ocidental tem suas raízes na Mesopotâmia, via Anatólia ou Ásia
Menor, e a antropóloga e assirióloga Gwendolyn Leick, em sua obra Mesopotâmia: a invenção da cidade
revela-nos algo interessante, na página 110: “No período acadiano,
os escribas a serviço de governantes desempenharam a função de “ideólogos”; sua
tarefa consistia em desenvolver argumentos para contra-atacar a oposição de
outros grupos que resistiam às forças de controle central; eles tinham que
justificar uma nova forma de governo que concentrava todo o poder nas mãos de
um rei”. Essa nova forma de
governo tem, pelo menos, 2370 anos antes da Era cristã. Ao que parece (aí as
aparências não enganam) a oposição entre esses grupos é de uma atualidade
desconcertante.
Teologia
significa “estudo das ciências dos deuses” (dos conhecimentos deles), ou
melhor, significava antes de se tornar a engenharia da enganação. Vale lembrar
que a religião mesopotâmica era uma religião científica, voltada para este mundo,
ao contrário da egípcia, voltada a uma existência futura depois da morte.
Seguindo o exemplo acadiano, naquele particular citado por Leick, os atuais
escribas da teologia continuam justificando ou provendo de argumentos
filosóficos a ideologia da crença.
O
historiador Arnold J. Toynbee havia previsto que o grande confronto do século
XXI se dará entre duas religiões heleno-judaicas: cristianismo e islamismo.
Sinais disso já se vê pelo mundo. Alguns tentam minimizar a questão,
argumentado tratar-se de conflitos políticos, como se essas religiões não se
envolvessem neles. Na Europa, onde a imposição religiosa tomou seu grande
impulso no passado, o conflito de costumes é mais evidente. Diante do fato,
manifestações ateístas tornam-se comuns por lá. Com toda certeza, posso afirmar
que não existem previsões de confrontos entre ateus e religiosos. Porém, entre
religiosos e ateus nunca se pode garantir. Aliás, o nome “ateu” é uma invenção
religiosa, produto dessa fórmula explosiva, heleno-judaica, que alimenta o
seguinte pensamento: “Quem não
está comigo, está contra mim”. Para estas religiões o direito a uma
terceira opinião só existe sob os refletores da mídia.
A
ideologia da crença promove o controle dos pensamentos e dos comportamentos,
individuais e coletivos, e é mantida pelos interesses ocultos dos que a
utilizam. Não tem cara. Na Maçonaria, por exemplo, juntam-se todas elas:
cristãs, islâmicas, judias etc. Desde que se acredite em Deus. Não existem
maçons ateus, você sabia? Crer na divindade é o mandamento número um dessa
ideologia. A Maçonaria é apenas uma das fraternidades afins. O poder econômico
que está por trás disso une interesses inacreditáveis. Tanto o (a) estudante de
História quanto o (a) jovem historiador (a) devem estar cada vez mais atentos
ao desenvolvimento dos assuntos “sagrados”. Sagrado significa “aquilo que
pertence aos deuses”. Deus e deuses são idéias em eclipse, portanto, muita
atenção. O importante é que sirvam à História, ao invés de servirem de eco a
uma erudição estéril e tendenciosa.
O
professor Richard Elliot Friedman, titular de hebraico e literatura comparada,
na Universidade da Califórnia, doutor em teologia por Harvard e membro do
Bilblical Colloquium, entre outras qualificações, em sua obra, O desaparecimento de Deus: um mistério
divino, deixa entrever que a Bíblia hebraica é uma versão
censurada, e nela a idéia da presença física da divindade entre os humanos foi
desaparecendo nos livros seguintes ao do Gênesis. A interferência direta da
divindade vai sendo substituída por visões ou sonhos, até atingir a total
abstração pela ação indireta dos profetas, que passam a atuar como
intermediários da vontade divina. “Deus desaparece na Bíblia.
Leitores religiosos e não-religiosos por certo irão achar tal afirmação
surpreendente e intrigante, cada qual por suas próprias razões. Confesso, de
minha parte, que a acho estarrecedora. A Bíblia se inicia, como todo mundo
sabe, num mundo em que Deus está ativamente e visivelmente envolvido, mas não é
assim que termina.” (FRIEDMAN, 1997, p. 19)
Outro
judeu mais conhecido, Albert Einstein, em sua obra Como vejo o mundo, diz o
seguinte: “O judaísmo não é uma fé. O Deus judeu significa a recusa
da superstição e a substituição imaginária para este desaparecimento. Mas é
igualmente a tentação de fundar a lei moral sobre o temor, atitude deplorável e
ilusória. Creio, no entanto, que a possante tradição moral do povo judeu já se
libertou deste temor. Compreende-se claramente que “servir a Deus” equivale a
servir à vida.” (EINSTEIN, 1981, p. 114) Acrescento,
por minha conta, que servir à História equivale (também) a servir à vida.
Será
que estamos nesse mundo como descendentes de colonos avançados, sem saber? Será
que a fonte das nossas mazelas estaria na disputa entre a nossa natureza
divina, herdada dos nossos criadores, e a natureza terrena, lutando por
intermédio dos seus anticorpos contra os invasores que habitam em nós? Será que
a luta entre o Bem e o Mal se resume nisso, e nós somos o campo de batalha
dessa contenda? Não sei. Por enquanto é a ideologia da crença que dá as cartas,
mas a verdadeira identidade da religião ainda não foi revelada para quem gosta
legitimamente de História. História é uma paixão que não maltrata. Vocês,
jovens historiadores (as), podem fazer a diferença.
*Ivani de Araújo Medina
é carioca, nascido na ilha do Governador em 1947. Formado em Artes Plásticas
pela antiga Escola Nacional de Belas Artes na década de 1960, e autodidata e
pesquisador em História do Cristianismo.
Via debates culturais