O
Fantástico mostrou ontem (08) um retrato contundente da corrupção
no Brasil, nas palavras de especialistas. Gente que conhece por
dentro as tramoias da política.
Guarde
bem este nome: Cândido Peçanha. Um deputado eleito democraticamente
que faz tudo pelo poder. “A compra do voto no dia da eleição sai
a R$50, o voto”, afirma.
Não
tem honra. “Político não tem remorso. Político tem conta
bancária”, destaca.
Não
sabe o que é ter escrúpulos. “Existem várias formas de desviar
dinheiro público”, revela.
Você
saberá tudo sobre esse político. Só não vai conseguir ver o
rosto, porque Cândido Peçanha não existe na figura de uma pessoa
só. Cândido Peçanha é um personagem criado pelo juiz de direito
Marlon Reis para o livro “O Nobre Deputado”.
“É
a representação de parlamentares que existem, que ocupam grande
parte das cadeiras parlamentares do Brasil e que precisam deixar de
existir”, afirma Marlon Reis, juiz de direito.
Para
criar o personagem, o juiz Marlon Reis ouviu histórias reais de mais
de 100 pessoas que transitam no mundo político. Entre elas, um
ex-deputado federal que vai se candidatar novamente nessas eleições.
“Não
precisa fazer muita coisa para ter o voto porque a população não
tem força nem segurança para contestar nada”, destaca o
ex-deputado.
E
dois assessores parlamentares, que o Fantástico ouviu com
exclusividade.
Assessor:
Durante muito tempo fui militante político, desde cabo eleitoral,
assessor, faz tudo.
Fantástico:
E fazer tudo era também intermediar algumas coisas, a pedido dos
políticos, desonestas?
Assessor:
Quando necessário.
Eles
revelam o ‘bê-á-bá’ da corrupção. Tudo com garantia do
anonimato.
Fantástico:
O senhor decidiu denunciar por quê?
Assessor:
Veja bem, se você for no interior, muitas crianças passando fome,
casas de taipa, estradas sem asfalto. Isso indigna a gente. Sempre
tive consciência disso. Só não podia denunciar. Quem denuncia,
morre. Nego mata aí brincando.
Com
base nesses depoimentos, o juiz, que foi um dos principais defensores
da “Lei da Ficha Limpa”, conseguiu descobrir como nasce, cresce e
se perpetua um corrupto na política brasileira.
Tudo
começa na eleição. E para ganhá-la é preciso ter dinheiro. Muito
dinheiro.
“Para
ser eleito é preciso pagar, comprar apoio político, e que é essa a
base dos gastos de campanha”, afirma Marlon Reis.
Uma
gastança que faz do Brasil um recordista mundial: proporcionalmente
à riqueza do país, aqui são feitas as campanhas mais caras do
planeta.
Nas
últimas eleições, em 2012, os gastos ultrapassaram R$ 4,5 bilhões.
E tem mais: das cinco maiores doadoras de campanha, três são
empreiteiras. Mas também há quem levante dinheiro por baixo dos
panos.
“Todos
os entrevistados mencionavam sempre que é a agiotagem. O uso da
agiotagem como fundo de dinheiro para política, que me surpreendeu”,
ressalta o juiz.
Isso
significa que candidatos - como o “Cândido Peçanha” - recorrem
até a empréstimos ilegais. O pior é que tudo terá que ser pago
depois da posse.
Assessor:
Ele entra no mandato endividado. Ele precisa do dinheiro.
Fantástico:
Mas como ele faz para pegar esse dinheiro e jogar na mão do agiota
sem ser notada a falta do dinheiro no cofre?
Assessor:
Existem várias maneiras de fazer isso.
Segundo
o assessor, um dos alvos é o dinheiro para a educação.
Assessor:
O cara saca o dinheiro e entrega para ele. Normal.
Fantástico:
Mas não teria que sacar e comprovar onde gastou?
Assessor:
Para quem?
Fantástico:
Para a Câmara dos Vereadores.
Assessor:
Como assim, se os vereadores são cúmplices?
Fantástico:
Ou, se for o governador, para a Assembleia Legislativa.
Assessor:
Que também é cúmplice.
Fantástico:
Mas tem o Tribunal de Contas do Estado.
Assessor:
Que também é cúmplice.
Fantástico:
O senhor quer dizer que todos são envolvidos?
Assessor:
Cúmplices. Todos são. É uma máfia.
Para
as empreiteiras, são criadas licitações fraudulentas, obras
superfaturadas.
"As
empresas, elas não doam. Elas antecipam um dinheiro que será depois
obtido e multiplicado por muitas vezes através de contratos
dirigidos e direcionados", explica Reis.
Um
estudo do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(Iuperj) revelou quanto as 10 maiores doadoras de campanha no Brasil
em 2010 lucraram nos dois anos seguintes em contratos com o governo
eleito: um valor 20 vezes maior do que foi doado.
“Uma
relação de causa e efeito entre o ato de doar e o que pode vir
depois, contratos com poder público”, diz Carlos Velloso,
ex-presidente do TSE.
Com
os agiotas o retorno é mais direto e danoso.
"Aparenta
uma doação mas, na verdade, é um empréstimo que será pago a
duras penas pela sociedade. Incrível o que eles relatam: 10% a 20%
ao mês de juros", detalha Reis.
“O
agiota recebe o cheque da conta pública. É um sistema perverso,
quem paga é a população, não é o prefeito”, afirma o assessor.
Os
moradores de São Pedro da Água Branca, no sul do Maranhão, sentem
na pele os efeitos da falcatrua.
“No
momento, aqui tá faltando um bocado de coisa. Tá faltando a merenda
dos meninos que estão cobrando de nós e não temos”, conta
Francisca Isaura Araujo, zeladora de uma escola.
Um
levantamento feito por cinco escolas do município de São Pedro da
Água Branca revelou que em 2008 houve a maior evasão escolar do
estado do Maranhão. Naquele ano de eleições municipais, 35% das
crianças abandonaram as salas de aula porque não tinham o que comer
na hora do recreio. Ou seja: um terço dos alunos simplesmente deixou
de estudar. De acordo com a denúncia do Ministério Público,
acatada pela Justiça, o dinheiro que era da merenda escolar, que
deveria ser gasto nas cantinas das escolas, foi usado para comprar
votos.
“As
investigações conseguiram demonstrar que foram feitas diversas
transferências bancárias com recursos públicos para conta da
campanha”, ressalta a promotora Raquel Chaves Duarte.
O
Fantástico foi atrás do ex-prefeito Idelzio Oliveira, o Juca, mas
não o encontrou. Ele também não foi encontrado pelo oficial de
Justiça que há duas semanas tenta informá-lo da condenação: nove
anos e seis meses de cadeia.
“Tem
vez que passa semana aqui sem merenda”, revela o estudante Emerson
Conceição.
“A
gente não estuda direito com fome”, afirma o estudante Artur
Coelho.
Como
a despesa costuma ser grande, depois de eleito o Cândido Peçanha já
pensa nos gastos da próxima eleição.
Fantástico:
O que custaria uma reeleição de deputado federal?
Assessor:
Acima de R$ 5 milhões.
Uma
fortuna que ele começa a levantar com antecedência. Segundo o juiz
Marlon Reis, a maior parte do dinheiro desviado sai de emendas
parlamentares. É como deputados e vereadores destinam parte do
orçamento público para obras indicadas por eles.
"Eles
vinculam a destinação da emenda à retenção de uma importante
parcela do valor daquela emenda. Uma porcentagem que, segundo todas
as minhas fontes, é de no mínimo 20%. E que pode chegar a parcelas
bem maiores de 30% e até 50%", explica Reis.
Assessor:
Os deputados que eu conheço, todos pegam retorno das suas emendas.
Se ele põe R$ 1 milhão, na faixa de uns R$ 300 mil fica para a
campanha do deputado.
Segundo
o autor do livro, mesmo depois de desfalcada pela parte que vai pro
bolso do parlamentar, a verba ainda sofre outras perdas.
"O
desvio é feito de duas formas. Uma: o superfaturamento da obra que é
apresentada um valor maior do que realmente deveria ter. Ou então
com a execução da obra em padrão distinto daquele tecnicamente
definido. Além de superfaturar, ainda se constrói abaixo dos
requisitos técnicos", observa Reis.
“Muitas
vezes isso é disfarçado de obras que parecem legítimas, sem que
saibamos como a obra foi feita. Possivelmente com irregularidade e
falhas técnicas”, ressalta o procurador-geral eleitoral de Santa
Catarina André Bertuol.
A
rua Angelo Vanelli virou o principal endereço do esquema de
corrupção descoberto em Blumenau. Um símbolo da troca de obras de
ocasião por votos. A rua foi asfaltada às vésperas da última
eleição municipal, sem qualquer planejamento. O asfalto foi
literalmente jogado. Uma camada tão fininha que dá até para tirar
com a mão. Não resistiu às primeiras chuvas. Foi essa rua que
abriu caminho para a investigação do Ministério Público, que
levou à cassação de cinco vereadores, um quinto da Câmara
Municipal.
O
único dos cinco vereadores cassados que o Fantástico conseguiu
encontrar estava trabalhando. O ex-vereador Celio Dias voltou a ser
guarda municipal, ironicamente um “agente da lei”.
“Acordo
de manhã cedo, vou dormir com a cabeça muito tranquila porque sei
que não fiz nada de errado e que sou um injustiçado nesse
processo”, conta Celio Dias, ex-vereador e guarda municipal.
Quem
pode julgar o discurso dos políticos e comparar com a realidade é o
eleitor.
“Muitas
vezes, o sujeito está reclamando de certos políticos aí, seja no
Congresso, seja no Executivo, e eu costumo dizer: ‘Mas ele não
está lá de graça não. Fomos nós que os colocamos lá’”,
revela Carlos Velloso.
O
ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral orienta: “Eleitor,
examine a vida pregressa do seu candidato. Tem gente honesta, sim,
aí. Agora, tem os aproveitadores. Exatamente esses é que precisam
ser banidos da vida pública”.
Aproveitadores
como Cândido Peçanha, que graças ao voto consciente pode um dia se
tornar apenas um personagem de um livro de ficção.