segunda-feira, 14 de abril de 2014

REBELDE SEM CAUSA?!

Não é raro que a alegada “sensatez” mascare posturas e pensamentos conservadores. Geralmente, a rebeldia é identificada com o impulso destrutivo. Cobra-se do crítico que apresente soluções. A crítica sempre deve ser propositiva? Talvez a forma mais sutil de desqualificar a crítica esteja em afirmar a sua infertilidade, em desmerecê-la enquanto crítica com a exigência de comprometimento. A rebeldia é, então, canalizada para os espaços reconhecidos pela ordem; impõe-se que ela seja construtiva. Dessa forma, fragiliza-se o potencial “destrutivo” – no sentido de “desestabilizador” – inerente à crítica. Desconsidera-se, assim, sua positividade e o que ela contém enquanto afirmação do oposto, o vir-a-ser, ainda que latente.

Em termos práticos, exige-se não apenas que a crítica seja acompanhada de “propostas”, mas que o seu emissor atue a partir das estruturas criticadas. Assim, domestica-se a crítica e, simultaneamente, compromete-se o crítico com a instituição e as condições que estimularam sua atitude. Na política este processo se efetiva na exigência de participar das instituições sob a crítica. Renova-se, assim, o dilema.* Historicamente, esta atitude resultou na incorporação, cooptação e domesticação da consciência crítica.

O indivíduo que não se enquadra nas estruturas e instituições que sustentam a ordem social e política também é pressionado. A “consciência revolucionária” parece pressupor a exigência da crítica orgânica, isto é, conformada em um corpo social que se materializa na organização política. O argumento é forte! Para ser eficaz, o crítico precisa superar o individualismo e o isolamento e agir com outros. Ele é intimado a aderir ao partido, geralmente autodenominado revolucionário e, portanto, portador do gérmen da futura sociedade. Só se é cristão sendo membro da Igreja; da mesma forma, afirma-se que a única possibilidade de “ser revolucionário” é estar no partido, a vanguarda iluminada da classe.

O indivíduo é impotente para transformar a realidade apenas por suas próprias forças. Sua crítica tende a permanecer no âmbito a negação. O primeiro passo, portanto, é reconhecer esta fragilidade. O indivíduo que atua por si, isto é, que não articula, não se organiza em coletivos políticos, deve saber das limitações resultantes da sua opção e que dificilmente sua ação crítica terá eficácia. Com efeito, a transformação social é uma obra coletiva. Contudo, não prescinde do indivíduo. A seu modo, e com os limites inerentes à sua ação, o indivíduo também pode contribuir com o projeto do vir-a-ser. Será que a história não nos ensinou suficientemente a desconfiar tanto dos indivíduos que aspiram condensar em si a utopia quanto de grupos organizados, que se consideram “iluminados” e falam e agem em nome da classe social teoricamente portadora da nova sociedade?

Ora, é legítimo que os indivíduos se organizem e, assim, ampliem a sua capacidade de intervenção. Mas será legítimo negar o direito de o indivíduo não aderir e optar por seguir outras veredas, ainda que caminhe só? Por acaso, sua contribuição deixa de ser relevante? Claro, é muito mais cômodo seguir em rebanho e talvez seja ainda mais vantajoso fazer parte da alcateia. Aliás, não se diz por aí que o mundo é dos espertos e dos mais capazes? Capazes de que?

O homo economicus, bem como o homo academicus, parece mais disposto a se aliar aos os lobos e os animais ferozes e, na competição por cargos, dinheiro, status e mais-valia real e simbólica. Quem se recusa a ser caçador, corre o risco de ser transformado em caça, em ovelhas e cordeiros a serem devorados. Ou, na melhor das hipóteses, a ser visto como exótico ou cândido! Será o espírito de rebanho a melhor opção ao Homo homini lupus?! Talvez a causa da rebeldia esteja em repudiar a alcateia, mas também rejeitar a submissão ao pastor.

* Sugiro a leitura de As contradições do “ser-no-mundo”: entre a rebeldia e a acomodação.




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